CIJ e TPI


Por: O Panóptico

Novembro passado, Ratko Mladic, mais conhecido como o “açougueiro da Bósnia”, foi condenado à prisão perpétua, acusado de genocídio, crimes contra a humanidade e de ter promovido uma “limpeza étnica” na região.

Mladic foi comandante do exército sérvio durante a Guerra da Bósnia (1992-1995).
O “açougueiro” também foi acusado de ter coordenado o “massacre de Srebrenica”, maior genocídio na Europa pós-Segunda Guerra Mundial, assassinato de cerca de 8 mil homens e meninos muçulmanos.



A questão central é que o ex-comandante foi condenado pelo TPII (Tribunal Internacional para a antiga Iugoslávia). Será que você estudante, acadêmico ou entusiasta de RI saberia diferenciar as principais cortes e tribunais internacionais? De início é importantíssimo deixar claro que: TPI, outros Tribunais Internacionais e CIJ não são a mesma coisa.

Os tribunais e corte citados possuem muitas semelhanças, o que torna muito fácil a confusão ao definir cada um deles, porém diferenças muito importantes entre eles mostram que operam de formas muito distintas.

 

Corte Internacional de Justiça (CIJ)

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A CIJ, conhecida também como Corte Mundial, foi estabelecida pela Carta da ONU em 1945, mas iniciou as suas funções apenas em 1946, julgando exclusivamente casos entre Estados.

É o principal órgão jurídico das Nações Unidas, conforme o estabelecido pelo seu estatuto:

Artigo 1- A Corte Internacional de Justiça, estabelecida pela Carta das Nações Unidas como o principal órgão judiciário das Nações Unidas, será constituída e funcionará de acordo com as disposições do presente Estatuto. 

A corte é composta por 15 juízes com um mandato de 9 anos cada (podendo se reeleger por mais 9 anos). Dois nacionais do mesmo Estado não podem figurar no mesmo quadro ativo de juízes.

Atualmente, o quadro da CIJ conta com o juiz brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade, membro desde 6 de fevereiro de 2009. A lista com os atuais juízes e com a biografia de cada um deles pode ser acessada clicando aqui.

A corte tem pode resolver questões contenciosas ou atuar apenas com caráter consultivo para outras organizações que venham a consultar a Corte Internacional sobre como devem agir em determinada questão. As decisões provenientes de casos contenciosos da CIJ são vinculantes para ambas as partes, uma vez que tenha havido algum consenso sobre a jurisdição da corte.

A Carta da ONU autoriza o Conselho de Segurança a impor as decisões da CIJ. Quando alguma questão entre dois Estados não tenha sido resolvida na corte, ela deverá ser submetida ao Conselho de Segurança. Você pode consultar a Carta da ONU para ler os artigos 33 e 34 clicando aqui.

Entretanto, por conta da ligação da CIJ com o Conselho de Segurança, as decisões da Corte podem ser anuladas pelo Conselho através do poder de veto dos membros permanentes (EUA, França, Reino Unido, Rússia e China).

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Corte Internacional de Justiça na Holanda.

Casos contenciosos representam cerca de 80% dos trabalhos da CIJ desde 1946. A corte proferiu decisões relativas a diversas questões: fronteiras terrestres e marítimas, soberania territorial, não uso da força, violação do direito humanitário internacional, não interferência em assuntos internos, relações diplomáticas, captura de reféns, direito de asilo, nacionalidade, guarda, direito de passagem e direito econômico.

A primeira decisão da Corte é proveniente do caso entre Reino Unido e Albânia, em 1949, quando a Albânia foi condenada a pagar uma indenização no valor de £844,000 por conta da explosão de minas no canal de Corfu, danificando seriamente navios de guerra britânicos e matando parte da tripulação em 1946. O caso foi decidido como direito de passagem favorável ao Reino Unido. (O documento do caso Albânia e RU pode ser lido aqui).

Alguns casos recentes da CIJ:

  • Caso Jadhav (Índia x Paquistão) – 2017
  • Aplicação da convenção internacional para a supressão do financiamento ao terrorismo e da convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (Ucrânia x Rússia) – 2017
  • Limites terrestres da parte norte da Ilha Portillo (Costa Rica x Nicarágua) – 2017
  • Imunidades e processos criminais (Guiné Equatorial x França) – 2016
  • Disputa sobre o status e uso das águas de Silala (Chile x Bolívia) – 2016

A lista com todos os casos e decisões da CIJ pode ser acessada aqui.

 

Tribunal Penal Internacional (TPI)

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Ao contrário da CIJ, o Tribunal Penal Internacional foi criado para julgar indivíduos que cometam os crimes internacionais mais graves, por exemplo, crimes de guerra, genocídio e/ou crimes contra a humanidade.

A ideia e necessidade de um tribunal internacional para julgar pessoas são provenientes dos anos 80. Acontecimentos na ex-Iugoslávia e em Ruanda tornaram evidente a indispensabilidade de julgar criminosos de guerra.

De forma a destacar a importância e urgência do TPI, observemos o preâmbulo e o primeiro artigo do Estatuto de Roma:

Preâmbulo:

        Os Estados Partes no presente Estatuto.

        Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns e de que suas culturas foram construídas sobre uma herança que partilham, e preocupados com o fato deste delicado mosaico poder vir a quebrar-se a qualquer instante,

        Tendo presente que, no decurso deste século, milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade,

        Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade,

        Afirmando que os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional,

        Decididos a por fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes,

        Relembrando que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais,

        Reafirmando os Objetivos e Princípios consignados na Carta das Nações Unidas e, em particular, que todos os Estados se devem abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força, contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de atuar por qualquer outra forma incompatível com os Objetivos das Nações Unidas,

        Salientando, a este propósito, que nada no presente Estatuto deverá ser entendido como autorizando qualquer Estado Parte a intervir em um conflito armado ou nos assuntos internos de qualquer Estado,

        Determinados em perseguir este objetivo e no interesse das gerações presentes e vindouras, a criar um Tribunal Penal Internacional com caráter permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas, e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu conjunto,

        Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será complementar às jurisdições penais nacionais,

        Decididos a garantir o respeito duradouro pela efetivação da justiça internacional,

        Convieram no seguinte:

Capítulo I

Criação do Tribunal

Artigo 1o

O Tribunal

        É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional (“o Tribunal”). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.

A Corte foi estabelecida pelo Estatuto de Roma, adotado durante a conferência de Roma em 17 de julho de 1998. (Sete países votaram contra a criação do TPI: China, Iraque, Israel, Líbia, Qatar, EUA e Iêmen).  O estatuto entrou em vigor em 1 de julho de 2002. Até a data deste artigo, o TPI possui 123 estados signatários.

Não se deve confundir TPII (1993 -) e TPIR (1994 – 2015) com o TPI. Os dois primeiros existem à parte do Tribunal Internacional e foram criados para julgar exclusivamente crimes cometidos na ex-Iugoslávia e Ruanda, encerrando as suas atividades assim que a última sentença for promulgada. O TPI é um tribunal fixo, independente, com tempo de existência indeterminado, cujo objetivo é julgar crimes definidos no Estatuto de Roma em quaisquer países.

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Sede do TPI na Holanda

EUA e Israel assinaram em 2002, porém não chegaram a ratificar e em 2002 voltaram atrás. Tais posturas se devem aos seguintes motivos:

Israel:

  1. Uma das definições de genocídio é expulsar um determinado povo de sua terra. Israel tem receio de ser julgado pela ocupação de terras palestinas (visão da ONU).
  2. Os juízes do TPI são apontados por blocos regionais da ONU, entretanto, Israel não faz parte de nenhum deles. Já que não são parte do TPI, não faria sentido se submeter ao Tribunal.

Estados Unidos:

  1. Não querem se submeter à uma autoridade maior.
  2. Assinaram diversos acordos bilaterais (acordos de imunidade), prometendo que países não entregariam americanos ao TPI.

O Tribunal é totalmente independente da estrutura da ONU. No entanto, pode haver alguma cooperação entre o TPI e o Conselho de Segurança. O Tribunal Internacional é composto por 18 juízes eleitos para mandatos de 9 anos sem reeleição. Assim como na CIJ, um país não pode ter mais de um juiz no TPI.

Sua estrutura conta com uma promotoria que pesquisa e acusa indivíduos. O Tribunal julga crimes quando países não possuem mais condições de julgar quaisquer criminosos devido a um possível colapso de seu sistema judiciário, quando algum país tenta proteger suspeitos, ou quando os acontecimentos simplesmente não são julgados em esfera nacional.

A primeira sentença do TPI saiu em 14 de março de 2012. O Tribunal julgou culpado o congolês Thomas Lubanga pelo uso de crianças-soldado.

Os demais casos do TPI podem ser acessados aqui.

 

 



 

Fontes:

<https://xadrezverbal.com/2015/02/05/corte-internacional-de-justica-e-tribunal-penal-internacional/>

<http://www.bbc.com/portuguese/internacional-42079338>

<http://www.icj-cij.org/en/current-members>

<https://nacoesunidas.org/carta/>

<http://www.icj-cij.org/en/case/1>

<http://www.icj-cij.org/en/list-of-all-cases/culmination/desc>

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm>

<https://asp.icc-cpi.int/en_menus/asp/states%20parties/Pages/the%20states%20parties%20to%20the%20rome%20statute.aspx>

<http://www.icty.org/>

<http://unictr.unmict.org/>

<https://www.icc-cpi.int/drc/lubanga>

<https://www.icc-cpi.int/Pages/cases.aspx>

<https://www.youtube.com/watch?v=uAonceKIKiQ>

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